Somos todos doutorados em relações à distância
Quando decidi vir para o outro lado do mundo, preocupei-me com muita coisa: as saudades de casa, o preço dos vôos, tornar o meu apartamento acolhedor, assegurar meios de subsistência suficientes, mentalizar-me de que estar sozinha não significa estar só, conseguir tratar do visto e da permissão de trabalho - e, dentro desta lista infindável de tarefas físicas e mentais, ainda outra...
Apalpar terreno para uma relação à distância.
Eu sei que a literatura sobre este tópico é extensa. Escrevam "relação à distância" no Google e confirmem. Há livros, filmes, músicas, milhares de publicações online sobre o tema. Somos todos doutorados em relações à distância!
Infelizmente, no mundo real, ainda ninguém tem respostas científicas sobre como gerir tal coisa de modo a dar certo.
Sim, as relações à distância são um bicho de sete cabeças. Isso já eu calculava, muito antes de me pôr a jeito para aventuras.
Contudo, eu também sempre acreditei que o que nos acontece na vida tem imenso que ver com a maneira como o encaramos.
Portanto, decidi que o meu bicho de sete cabeças teria o tamanho dum sapato, em vez do tamanho dum elefante. Eu sei que ele está lá, por vezes tropeço nele, mas não me estorvaria a vida por aí além.
O problema esteve mesmo nos outros. Cheguei a comunicar que passaria a viver longe, e chegaram a responder-me "sabes que isso das relações à distância não funciona". Assim, como se as pessoas tivessem uma fórmula matemática para a felicidade conjugal. A seco. Como se soubessem tudo sobre a relação dos outros, como se estivessem na posse de todos os dados necessários à equação.
Relação à distância = problemas.
Não digo que seja peanuts, mas porque é que se assume que uma relação à distância está pré-destinada a acabar?
Acho que, pessoalmente, nunca seria capaz de dizer isso a ninguém.
As pessoas esquecem-se de que tudo o que dizem tem as suas consequências, positivas ou negativas. Que as palavras magoam. Que as palavras incentivam. Que há palavras que se esquecem. Que há palavras que ficam na memória. Que as palavras não são aleatórias, e muito menos as intenções.
É preciso muita azia para se dizer a alguém que tomar uma decisão difícil irá também causar-lhe um desgosto! Quase que se sente o mau olhado.
Não, manter uma relação a milhares de quilómetros de distância, seja com o namorado, com os amigos ou a família não é simples e envolve esforço e dedicação. Não é um sonho. Por vezes, questiono-me por que raio aceitei vir morar para aqui. Já lá vão quase sete meses desde que cheguei a Bangkok pela primeira vez. Entretanto, fui a casa duas vezes. Não é tudo côcos e praias, mas está longe de ser um Purgatório! Eu nem tenho jeito para mártir...
Cá dentro, serve-me de consolo - para a memória presente do que me disseram - que a "relação à distância" cá continua. Estilo: TOMA LÁ E EMBRULHA!
Corpos longe, corações perto. Felizmente, o hábito de conversarmos, mesmo quando nos víamos todos os dias, contribuiu para que pelo menos pudéssemos manter essa estrutura viva, tão importante na maneira como nos comportamos como casal. Uma relação meramente baseada na parte física já teria sofrido vários golpes.
Todos os dias conversamos. Todos os dias dizemos "amo-te". Todos os dias há elogios. Frequentemente, partilhamos críticas sobre um e outro e falamos sobre o que sentimos. E há honestidade. A carne pode tornar-se fraca. As saudades podem deixar um vazio inexplicável dum momento para o outro. Dois ou três anos em modo "experiência" ainda nos deixam um logo caminho a percorrer. Quem somos hoje pode mudar amanhã.
Mas viva as tecnologias da comunicação! Viva o Facebook, WhatsApp, Skype e Cia!
Quando alguém do vosso círculo de gente conhecida vos comunicar que vai passar a ter uma relação à distância, tentem pelo menos ser positivos. Nunca se sabe o que vai na cabeça dos outros. Não digam que vai acabar. Alertem para os riscos (que provavelmente eles já recitam de cor!), mas não lhes tirem a esperança. Não ocupem o lugar de Todo Poderoso. É ofensivo e pode tornar um momento difícil numa tragédia.
Obrigada.